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A Doença



Lúcia já estava naquele hospital havia dezoito meses, incapaz de levantar-se da cama sem cair no chão. Dr. Marcelo, responsável pelo caso dela, há muito havia perdido a motivação para tentar descobrir o que tinha acontecido a ela. Que espécie de transtorno a teria atingido? Ela já não tinha mais músculos, estava pálida e magra, embora comesse o triplo de uma pessoa normal. Era um mistério para a medicina. Os repórteres chegavam aos montes até três meses atrás, quando o caso dela parou de ter atualizações. Todos queriam saber o que poderia ter levado a moça àquele estado. O crime! O choque! Notícia internacional e rumores sobre uma nova droga. Lúcia não podia falar, mas isso não impedia as perguntas dos repórteres. Agora sua boca só se abria pra comer. E como comia! Oito vezes ao dia lhe eram servidos verdadeiros banquetes que ela devorava em poucos minutos. Ainda assim parecia cada vez mais magra. Os olhos castanhos e amendoados, antes brilhantes, pareciam olhar para lugar nenhum a maior parte do tempo. Ela não ia durar muito, era o que os médicos diziam. Era aniversário de sua doença naquela manhã de quinta-feira. Depois de comer um enorme pernil inteiro no café da manhã, Lúcia olhou pela janela como sempre fazia, meio inconsciente. Não havia mais alma naquele corpo. Há exatos dezoito meses atrás Lúcia era apenas uma estudante de Direito naquela cidade chamada Brasília.

Estava se preparando para ir à universidade, como de costume. Iria tomar café, descer o bloco para pegar o metrô e depois um ônibus na rodoviária. Porém aquele dia estava curiosamente diferente, e não era no bom sentido. Ao vestir o casaco viu de relance na janela que alguém a encarava lá de baixo, mas ao virar não viu ninguém. Nada demais, desceu e notou o tempo ruim se formando. Voltou pelo guarda-chuva. De novo, ao passar pela janela, viu alguém, uma mulher, encarando ela. Mas foi muito rápido, em um segundo não estava mais lá. Ela desceu novamente e pôs-se a caminhar até a estação do metrô. O tempo estava esfriando. Lúcia pôs os fones de ouvido e apertou o passo, não suportava aquele clima. Começou a chuviscar e ela abriu o guarda-chuva. Nessa hora alguém esbarrou nela com muita força. Lúcia esperou que a pessoa parasse para se desculpar, entretanto a mulher continuou andando. Ao virar-se Lúcia engoliu um grito. De costas, a mulher era muito parecida... com Lúcia! Usava o mesmo casaco e a mesma calça. Os cabelos eram bem cacheados e negros como os seus. Lúcia parou alguns segundos olhando enquanto a chuva aumentava, então deu dois passos e olhou novamente. Apenas para constatar que a mulher não estava mais lá. Nada restava a fazer a não ser continuar.

Passou pelas catracas do metrô ainda pensando no que vira. Desceu para a estação e esperou. “Besteira a minha”, pensou, aumentando o volume da música. Ficou olhando os trilhos do metrô pensativa. Entrou no metrô e ficou olhando o próprio reflexo nos vidros das janelas. O reflexo olhou pro lado esquerdo. Lúcia gelou. O reflexo fez sinal para que ela também olhasse. Ao virar, a moça viu a si mesma de costas, sentada. Como era possível? Lúcia piscou algumas vezes para ver se a visão sumia. Desta vez, não. Um arrepio sinistro lhe subiu a espinha e o ar se tornou mais difícil de respirar. As pessoas em volta pareciam ignorar o que acontecia ali. Lúcia ficou paralisada. À medida que as estações passavam, o metrô ia ficando cada vez mais vazio, algo incomum para aquele horário da manhã. A outra Lúcia continuava ali, de costas, sentada. A verdadeira nem se atrevia a chegar perto. O frio só aumentava.

A estação central se aproximava. Até agora a cópia de Lúcia não se movera. A verdadeira mal se atrevia. Mesmo tentando desviar o olhar, sua atenção sempre voltava à sua cópia. Estação Central, vagão vazio. Apenas as duas estavam ali. Lúcia esperou que as portas se abrissem e ela pudesse sair. Nada. Tentou o alarme de emergência, mas não funcionou. “Não... não! Não!”, pensou. Tentou as saídas de emergência, porém não funcionavam. Olhando pela janela, viu as pessoas saindo dos outros vagões. Gritou por ajuda, ninguém a viu. Bateu nos vidros, gritou, fez o que pode. Uma menininha negra de uns cinco anos virou pra ela, apontou para o vagão e falou com a mãe. “Isso!” Ela iria sair! Entretanto a mãe olhou para o vagão, falou com filha e a puxou em direção as escadas rolantes. “Ela não me viu?” Não era possível! A menininha olhou-a novamente e acenou. “Desculpa”, Lúcia conseguiu ler nos lábios dela. Não era possível!

O trem começou a andar, o terror de Lúcia aumentou cada vez mais a medida que adentrava o túnel escuro. O frio era congelante. Sentiu que sua cópia se movera e virou-se para olhar. Lá estava ela. A outra Lúcia, em pé no meio do vagão. Mas esta era muito mais magra, com olhos fundos, sem vida, encarando-a como se fosse um faminto avistando o banquete. Começou a andar. Lúcia recuou no vagão. “O trem não vai parar?” Era a estação final, não tinha muito trilho pro trem seguir. No entanto ele parecia aumentar a velocidade à medida que aquela criatura se aproximava de Lúcia. Não adiantava gritar, não adiantava tentar fugir. Aquela criatura iria alcançá-la.

A última coisa que Lúcia se lembrava era de uma dor excruciante no peito, uma sensação de ser esmagada e um grito que ecoou nos seus ouvidos como um prelúdio de morte. Testemunhas disseram que a moça entrou no trem na estação 114 sul, sentou-se e não mais se moveu até chegar à estação central, onde se levantou e atacou uma funcionária da limpeza que entrara no vagão quando este esvaziou. Quando retiraram Lúcia de cima da pobre mulher, esta estava com um pedaço do peito dela nos dentes. Descontrolada, arrancou um dos bancos e esmagou a funcionária. Correu pela porta alguns metros e caiu no chão, inconsciente. Nunca mais conseguiu se levantar.

Autora: Lilla Adhllyss, estudante de Artes Cênicas da UNB e escritora (also minha irmã haha <3).

meryhisdead@live.com

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